Boa tarde, pessoal!
Hoje, vamos começar a falar um
pouco sobre a entorse lateral de tornozelo. Tema “batido”, né?! Pois é. Principalmente
na graduação, com a minha experiência na supervisão de estágio, os alunos
muitas vezes chegam querendo um caso “diferente” pra atender. Aquele caso mais
raro, incomum, que poucas pessoas já viram ou trataram, pra poder contar para
os colegas e levar aquela experiência para o resto da vida profissional. Ok.
Atender um caso raro é legal, é diferente, motivante e desafiador, pois faz
você estudar e aprender coisas geralmente novas. Mas, sabe aquela lesão ou
doença que é vista com mais frequência no ambulatório? Então, essa você tem que
saber (saber bem!). Saber conduzir o manejo de uma lesão ou doença que você vai
ver pouquíssimas vezes na sua vida profissional é legal. Mas, NÃO saber lhe dar
com uma lesão ou doença que você vai ver frequentemente no seu dia-a-dia, com
certeza vai lhe trazer grandes prejuízos (inclusive financeiros!).
Por isso
escolhi falar um pouco sobre a entorse lateral de tornozelo, que é uma lesão
musculoesquelética altamente prevalente, principalmente no meio esportivo, porém,
ainda vejo muitos profissionais e acadêmicos com dificuldades na hora de
avaliar e tratar corretamente essa lesão.
A ideia é abordar os principais parâmetros
qualitativos e objetivos de avaliação da entorse lateral de tornozelo, assim
como as principais condutas terapêuticas. Nessa primeira parte vamos introduzir um pouco o assunto e, nos próximos textos, vamos falar sobre avaliação e tratamento. Ok?!
Então, vamos lá!
INTRODUÇÃO
A entorse lateral de tornozelo é
uma das lesões musculoesqueléticas com maior incidência, principalmente no
esporte. Estima-se que a taxa de incidência seja de 2,15 por 1.000 pessoas a cada
ano na população em geral. Quando falamos de pessoas fisicamente ativas ou
atletas, essa taxa sobe e varia entre 35 e 48 por 1.000 pessoas anualmente. Fica
ainda mais claro a alta incidência da entorse lateral de tornozelo, quando
comparada por exemplo a lesão do Ligamento Cruzado Anterior (LCA), que tem uma
taxa de incidência de aproximadamente 0,24 para cada 1.000 pessoas saudáveis. Isso
não deixa dúvidas que a entorse lateral do tornozelo é uma lesão musculoesquelética
muito presente na prática clínica do fisioterapeuta, sendo assim de fundamental
importância dominar o manejo dos pacientes com esse tipo de lesão, certo?!
De uma forma geral, a entorse de
tornozelo pode ocorrer em inversão (lateral) ou eversão (medial), sendo a
entorse por inversão a mais comum. A entorse em inversão ainda pode ser
subdividida em duas categorias: entorses laterais agudas e instabilidade
crônica do tornozelo.
Entorses laterais agudas: geralmente pacientes com até 72
horas após a lesão ou pacientes que apresentem edema significativo, dor,
descarga de peso corporal limitada e alterações da marcha;
Instabilidade crônica do tornozelo: tem como principais características
sintomas residuais de lesão anterior (período pós-agudo), instabilidade articular
(mecânica e/ou subjetiva), fraqueza muscular, alteração no equilíbrio e déficit
sensório-motor (atraso na ativação dos músculos fibulares e alteração no senso
de posicionamento articular).
A instabilidade mecânica caracteriza-se
pela hipermobilidade das articulações subtalar e talocrural, e a instabilidade subjetiva
é caracterizada pela percepção do paciente na ausência de hipermobilidade
comprovada pelos testes clínicos.
- No decorrer desse texto vamos
falar mais sobre a entorse lateral aguda do tornozelo, ok?!
ANATOMIA
Geralmente, os mecanismos de lesões
da entorse lateral de tornozelo são clássicos: ao se aterrissar de um salto
(Ex: jogando vôlei), pisar em um buraco ou em uma irregularidade no solo (bem
possível nas ruas do RJ!), ao descer de um degrau de escada ou meio-fio (principalmente
as mulheres do salto alto!), entre outros. Na entorse lateral aguda do tornozelo acontece
um estiramento ou ruptura parcial/total dos ligamentos laterais do tornozelo
(talofibular anterior, calcaneofibular e talofibular posterior). Dentre os
ligamentos, sem dúvidas o mais acometido é o talofibular anterior. Estima-se
que em cerca de 73% das entorses laterais do tornozelo ocorrem lesões isoladas
do talofibular anterior.
Ligamentos Laterais do Tornozelo |
É importante lembrar que no
tornozelo não existem somente ligamentos, existindo também outras estruturas
que podem estar lesionadas e colaborar para complicações em relação a dor,
instabilidade e limitação funcional. Dessa forma, é sempre bom fazer um
processo de triagem para descartar possíveis lesões mais sérias, como por
exemplo as fraturas maleolares, de diáfise da fíbula e da base do quinto
metatarso, que são as mais comuns após uma entorse lateral aguda do tornozelo.
TRIAGEM
Nessa fase, é importante ficar
atento para identificação de possíveis bandeiras vermelhas (leia o artigo sobre
dor lombar para relembrar o que é bandeira vermelha).
Como citado anteriormente, uma das consequências
graves da entorse lateral aguda do tornozelo são as fraturas. Para eliminar as
suspeitas de fraturas, é recomendável que o fisioterapeuta siga as regras de
Ottawa, que já tem uma boa aceitação no meio clinico e acadêmico para auxiliar
no diagnóstico diferencial. As regras de Ottawa dizem que a radiografia é
indicada quando existir dor na região malelolar e um dos seguintes critérios:
- Dor à palpação dos 6cm distais e
posteriores do maléolo lateral;
- Dor à palpação ao redor do
maléolo medial;
- Incapacidade de suportar o peso
corporal por quatros passos consecutivos.
Tais achados estão geralmente associados
a entorses mais graves e com possíveis fraturas maleolares.
As regras de Ottawa também afirmam
que a radiografia também é indicada em casos de dor na região do médio-pé e qualquer
um dos seguintes critérios:
- Sensibilidade e/ou desconforto na
base do quinto metatarso;
- Palpação dolorosa sobre o osso
navicular;
- Incapacidade de suportar o peso corporal
por quatro passos consecutivos.
Seguindo esses critérios, você já consegue
descartar ou não a suspeita de fratura e, assim, direcionar o melhor tratamento
para o paciente. Uma entorse lateral de tornozelo pode ser algo relativamente
simples, como um “simples” estiramento ligamentar, assim como pode ser algo que
necessite de um procedimento cirúrgico, como uma fratura maleolar. Por isso, a
melhor coisa a se fazer é avaliar com cuidado e responsabilidade.
CLASSIFICAÇÃO EM GRAUS DE GRAVIDADE
Geralmente ou tradicionalmente, a
entorse lateral de tornozelo é classificada em graus, os “famosos” graus I, II
e III. Esses graus representam a lesão nos ligamentos, com o grau I sendo o
mais leve e o grau III, o mais grave. O problema é que muitos profissionais
classificam de forma errônea, classificando somente o grau da lesão ligamentar,
sem associar informações importantes, como por exemplo a capacidade funcional. Logo
abaixo vou mostrar uma das classificações mais usadas na prática clínica para
entorse lateral do tornozelo:
Grau I – sem perda da
função, sem frouxidão ligamentar (testes de gaveta anterior e inclinação talar
negativos – vamos ver esses testes posteriormente), pouco ou nenhum hematoma
(equimose leve), diminuição do movimento total do tornozelo de até 5° e edema
até 0,5cm;
Grau II – leve perda de função, teste de gaveta anterior
positivo (lesão do ligamento talofibular anterior), teste de inclinação talar
negativo (sem envolvimento do ligamento calcaneofibular), hematoma, diminuição
do movimento total do tornozelo entre 5° e 10° e edema entre 0,5 e 2,0cm;
Grau III – perda de função significativa (quase total), testes
de gaveta anterior e inclinação talar positivos, hematoma, diminuição do
movimento total do tornozelo maior que 10° e edema acima de 2,0cm.
Grande parte dos sistemas de
classificação adotam medidas estáticas e/ou dinâmicas como critérios para
ajudar na interpretação dos graus das escalas, o que nem sempre traduz uma
classificação funcional e prática para o fisioterapeuta. A recomendação da
Diretriz de Prática Clínica do Journal of
Orthopaedic & Sports Physical Therapy (JOSPT, 2013), é para que os
fisioterapeutas usem os achados clínicos baseados no nível de função, frouxidão
ligamentar, hematoma, amplitude total dos movimentos do tornozelo, edema e dor
para classificar os pacientes com entorse lateral do tornozelo.
Agora que já falamos um pouco sobre
os aspectos anatômicos, triagem e classificação em graus de gravidade, no
próximo texto vamos falar mais profundamente sobre avaliação, abordar os
principais parâmetros qualitativos e objetivos usados na avaliação da entorse
lateral de tornozelo, como: amplitude de movimento, edema, escalas funcionais,
testes ortopédicos, testes funcionais e estabilidade.
Espero que tenham gostado. Até a
próxima!
Obs¹: Os textos desse blog são
baseados em literatura cientifica (artigos e livros) e na experiência
profissional do autor.
Obs²: Os textos desse blog servem
como dicas e esclarecimentos para os leitores. Sendo assim, não substitui a
orientação de um profissional de saúde habilitado, caso seja necessário.
Fonte e leitura sugerida:
1- Stiell et al. Ottawa ankle rules
for radiography of acute injuries. N Z Med J. 1995 Mar;108(996):111;
2- Van der Wees et al. KNGF
Guideline for Physical Therapy in patients with acute ankle sprain. Dutch J
Physical Therapy. 2006;116(5):1-25;
3- Waterman et al. The epidemiology
of ankle sprains in the United States. J Bone joint Surg Am. 2010 Oct 6;92(13):2279-84;
4- Martin et al. Ankle stability
and movement coordination impairments: ankle ligament sprains. J Orthop Sport
Phys. 2013 Sep;43(9):A1-40;
5- Junior et al. Resultado
funcional relacionado ao posicionamento do enxerto na reconstrução do ligamento
cruzado anterior. Rev Bras Ortop. 2015;50(1):57-67.