Boa noite, galera!
No texto anterior, iniciamos o tema “entorse lateral de
tornozelo”, esclarecendo alguns pontos importantes, como: aspectos anatômicos,
triagem para bandeiras vermelhas e classificação da entorse lateral de tornozelo
por graus de gravidade (caso não tenha lido o texto anterior clique aqui).
Dando continuidade ao assunto, hoje vamos começar a falar um
pouco sobre a avaliação fisioterapêutica, através de testes e medidas específicas,
confiáveis e funcionais, como:
- Avaliação da Amplitude De Movimento;
- Edema;
- Questionários e escalas funcionais;
- Testes ortopédicos;
- Testes funcionais;
- Estabilidade.
É importante saber que a história clínica e o exame físico são
suficientes para um diagnóstico correto da entorse lateral de tornozelo. Mas,
em alguns casos, exames complementares como a radiografia podem ser necessários.
Principalmente, em casos agudos e quando indicados pelas regras de Ottawa (ver
texto anterior). Portanto, é bom ficar atento a isso. Vamos começar falando da Amplitude de Movimento (ADM), ok?! Vamos lá!
AMPLITUDE DE MOVIMENTO
Na prática clínica diária, a quantidade de movimento da
articulação do tornozelo costuma ser mensurada através da goniometria passiva tradicional,
geralmente com o paciente em prono, com Cadeia Cinética Aberta (CCA), joelho em
flexão e extensão para os movimentos de dorsoflexão e flexão plantar,
respectivamente.
Entretanto, devido à biomecânica do gesto esportivo do salto
(um dos principais mecanismos de lesão da entorse lateral), acaba sendo mais
interessante avaliar a ADM em Cadeia Cinética Fechada (CCF), com suporte do
peso corporal. Tal procedimento, é conhecido como teste de Lunge (figura 1).
Além de ser mais especifico, por ser realizado em CCF, alguns trabalhos já mostraram
que o teste de Lunge tem uma maior confiabilidade intra e interexaminador
quando comparado a goniometria (Bennell et
al, 1998; Venturini et al, 2006).
Então, por que continuar usando somente a gonimometria tradicional, certo?! A goniometria continua
sendo uma excelente ferramenta para prática clínica (mesmo com suas limitações),
mas devemos estar atentos a outras formas simples, confiáveis e mais
especificas para mensuração da amplitude movimento, em determinadas situações
(como essa!).
Figura 1 - Teste de Lunge. |
Execução do Teste
1- Paciente está de frente para a parede com cerca de 10 cm
entre os pés e a mesma;
2- Desloca posteriormente a perna contralateral ao lado que
será avaliado;
3- Dobrar o joelho da perna que ficou à frente até tocar na
parede (mantendo o calcanhar no chão);
4- Se o paciente não conseguir tocar o joelho na parede sem o
calcanhar sair do solo, mova o pé mais perto da parede e em seguida repita o
movimento;
5- Se o joelho tocar facilmente a parede sem o calcanhar sair
do solo, mova o pé mais para longe da parede e em seguida repita o movimento;
6- Repita o passo 5 até o paciente conseguir tocar de forma
simples o joelho na parede sem tirar o calcanhar do solo.
Medida:
a) Distância entre a
parede e o hálux (< 9 - 10cm é considerado restrito);
b) O ângulo formado pela tuberosidade anterior da tíbia e o
eixo vertical (< 35 - 38 graus é considerado restrito).
Indica-se avaliar também o pé contralateral (simetria é o
ideal).
EDEMA
Uma forma simples de medir a quantidade de edema é a perimetria
em 8 (figura abaixo), que também apresenta uma boa reprodutibilidade
interexaminador (ICC = 0,99) e intraexaminador (0,98) (Martin et al, 2013). Os pontos de referência
são: sulco anterior da tíbia, maléolo lateral e medial, base do 5º metatarso e
planta do pé.
Figura 2 - Mensuração do edema - Perimetria em 8. |
ESCALAS FUNCIONAIS
Essa é uma parte que eu particularmente gosto muito! De que
adianta, por exemplo, eu quantificar a ADM do meu paciente e ver que ele tem
restrição, se eu não souber qual o impacto disso nas suas atividades de vida
diária ou funcionais? Cuidado, os números são frios.
Eu posso ter um paciente
que apresente uma limitação de ADM “significativa”, porém isso não tem um
impacto relevante em suas atividades funcionais. Assim como, eu posso ter um
paciente que não tenha nenhuma restrição significativa de ADM, mas apresente uma limitação funcional considerável.
Aí você se pergunta: “Mas como eu vou avaliar
a função do meu paciente? ” Fácil! Através de questionários e escalas
funcionais, que são amplamente usadas tanto na prática clínica quanto na pesquisa
cientifica, combinando eficiência, confiabilidade e baixo custo.
Para entorse lateral de tornozelo, existem vários instrumentos
para avaliar as medidas de desfecho da evolução do estado clinico e funcional
dos pacientes. Entretanto, nem todos instrumentos apresentam fortes evidências
para apoiar o seu uso na prática clínica. Por isso, vou citar uma que foi
traduzida, validada e adaptada culturalmente para uma versão brasileira, que eu
uso na minha prática diária e tem melhor qualidade metodológica, a Lower Extremity Functional Scale (LEFS).
A LEFS foi criada baseada nos conceitos estabelecidos pelo
modelo de incapacidade e funcionalidade elaborado pela Organização Mundial e
Saúde (OMS). Ela é aplicada em indivíduos com alterações ortopédicas nos
membros inferiores, por isso é considerada um instrumento especifico para o
segmento do tornozelo.
A LEFS é composta por 20 itens variados, que avaliam
restrição de participação e limitações de atividade, com cada item pontuando no
máximo 4 pontos, com escore máximo de 80 pontos (estado funcional normal). O questionário
é simples, pode ser autoaplicado pelo paciente, com tempo aproximado de 2
minutos para completar todos os itens.
Lembrando que, a escala deve ser aplicada antes e após as
intervenções terapêuticas. Proporcionando assim, um acompanhamento mais
fidedigno e confiável dos parâmetros clínicos e funcionais dos pacientes com entorse
lateral de tornozelo.
Segue o link do artigo de tradução e validação da LEFS versão
brasileira:
TESTES ORTOPÉDICOS
Assim como vários testes ortopédicos de outras articulações,
os testes para avaliação do complexo ligamentar lateral do tornozelo (gaveta
anterior e inclinação talar), não apresentam uma acurácia diagnóstica tida como
desejável. Entretanto, alguns autores sugerem que os níveis de
reprodutibilidade podem ser aceitáveis se os testes forem realizados entre 4 e
5 dias após a lesão, associado com a dor à palpação nos maléolos e presença de
hematoma (Inklaar & Van Beek, 2011: Michel et al, 2013).
Isso deve-se principalmente ao quadro álgico intenso
e difuso no período agudo pós-lesão, o que dificulta a exata localização da
dor, além de o teste de gaveta ser geralmente negativo ou impossível de
realizar devido a dor e edema, não sendo confiável nessa fase.
Os dois principais testes são o de gaveta anterior e o
estresse em inversão, também conhecido como inclinação talar (figuras abaixo).
O teste de gaveta anterior detecta o deslocamento anterior excessivo do tálus
em relação a tíbia, sugerindo comprometimento do ligamento talofibular
anterior. O teste de estresse em inversão ou inclinação talar avalia o
movimento excessivo do tálus para dentro em relação à pinça bimaleolar,
sugerindo comprometimento do ligamento calcaneofibular caso apresente
instabilidade articular. É importante executar os testes no lado não lesionado para
comparar o grau de mobilidade articular.
Figura 3 - Teste de inclinação talar (esquerda) - Teste de gaveta anterior (direita). |
TESTES FUNCIONAIS
Os testes funcionais são extremamente importantes para
avaliar os pacientes no período pós-agudo, esses devem incluir medidas sobre a
limitação de atividade e restrição de participação, como os vários testes de
salto. Três testes são mais frequentemente usados, são eles o salto simples
para frente, salto lateral e o salto em figura de 8.
Salto simples para frente: mede a distância em que o indivíduo
se desloca anteriormente em um único salto. O paciente fica sobre o membro
envolvido e se desloca o máximo possível na direção anterior com um salto
simples. A distância entre a posição inicial e o calcâneo é mensurada em
centímetros.
Salto lateral: mede a distância em que um indivíduo
se desloca lateralmente em três saltos contínuos em um único membro. A distância
entre os saltos laterais é mensurada a partir da região lateral do calcâneo.
Alterações acima de 15% estão relacionadas com diminuição da função do
tornozelo e/ou dor durante atividade esportiva.
Salto em figura de 8: mede a quantidade de tempo necessária
para saltar duas vezes sobre o membro envolvido em torno de uma figura de 8. O
paciente fica sobre o membro envolvido atrás de uma linha de partida determinada
por um cone. O segundo cone é colocado a 5 metros de distância do primeiro. Os indivíduos
são instruídos a saltar o mais rápido possível em um padrão de 8 figura de oito,
duas vezes ao redor dos 2 cones.
Algumas informações
importantes: é
permitido usar o balanço dos braços e um agachamento prévio durante a execução
dos testes. O padrão de comparação dos testes é sempre o membro contralateral
(não envolvido na lesão), tendo como valor limite uma diminuição de até 15%.
ESTABILIDADE
A estabilidade corporal pode ser avaliada por testes
funcionais simples durante o exame físico, como o Star Excursion Balance Test (SEBT) modificado, ou por meio de
exames complementares biomecânicos, como a estabilometria. Como a ideia é ter
uma ferramenta simples e que todos tenham acesso, vou falar do SEBT modificado.
O SEBT modificado foi descrito por Plisky et al (2006), sendo um teste funcional amplamente
utilizado para avaliação da estabilidade, uma vez que é possível mensurar o
alcance funcional do membro inferior nas direções anterior, posterolateral e
posteromedial. Abaixo segue uma breve descrição do teste.
O paciente é o orientado a permanecer com o pé de apoio
centralizado sobre a intersecção das linhas (anterior = A, posterolateral = PL
e posteromedial = PM). Então, a posição em apoio unipodal é mantida enquanto o
membro inferior contralateral alcança a maior distância possível sobre as
linhas (fitas métricas), então o valor é medido (figura abaixo). Devem ser realizadas
três tentativas para cada direção. A pontuação do SEBT pode ser calculada
dividindo a soma das distâncias máximas alcançadas (em centímetros) nas três
direções, pelo comprimento real do membro inferior (LL) avaliado e, por fim,
multiplicado por três. Os valores finais então podem ser expressos em
porcentagem multiplicando-se por 100, como segue na equação proposta por Filipa
et al (2010), sendo a média de três
tentativas utilizada como score final: SEBT = (A + PM + PL) /
(LL X 3) x 100.
O comprimento do membro inferior pode ser feito pelo método
tradicional, mensurando a distância entre a espinha ilíaca antero superior e o
maléolo lateral com uma fita métrica.
Após realizar o SEBT no lado acometido, deve-se realizar
também no lado contralateral para servir como parâmetro de comparação.
Figura 4 - Star Excursion Balance Test (SEBT). |
Então pessoal, espero que tenham gostado e que as informações
apresentadas hoje sejam úteis na prática clínica diária de vocês. No próximo
texto, vamos falar sobre os tipos de intervenções terapêuticas na entorse
lateral de tornozelo.
Qualquer dúvida, entrem em contato via e-mail ou podem deixar perguntas nos comentários.
Abraços e até a próxima!
Abraços e até a próxima!
Obs¹: Os textos desse blog são baseados em literatura
cientifica (artigos e livros) e na experiência profissional do autor.
Obs²: Os textos desse blog servem como dicas e
esclarecimentos para os leitores. Sendo assim, não substitui a orientação de um
profissional de saúde habilitado, caso seja necessário.
Fonte e leitura sugerida:
1- Stiell et al. Ottawa ankle rules for radiography of acute
injuries. N Z Med J. 1995 Mar;108(996):111;
2- Van der Wees et al. KNGF Guideline for Physical Therapy in
patients with acute ankle sprain. Dutch J Physical Therapy. 2006;116(5):1-25;
3- Plisky et al. Star
Excursion Balance Test as a Predictor of Lower Extremity Injury in High School Basketball
Players. J Orthop Sports Phys Ther. Volume 36. Number 12. December 2006;
4- Venturini et al.
Confiabilidade Intra e Interexaminadores de Dois Métodos de Medida da Amplitude
Ativa de Dorsiflexão do Tornozelo em Indivíduos Saudáveis. Rev. bras.
fisioter., São Carlos, v. 10, n. 4, p. 407-411, out./dez. 2006;
5- Waterman et al. The epidemiology of ankle sprains in the
United States. J Bone joint Surg Am. 2010 Oct 6;92(13):2279-84;
6- Martin et al. Ankle stability and movement coordination
impairments: ankle ligament sprains. J Orthop Sport Phys. 2013 Sep;43(9):A1-40;
7- Rabello et al. Relação
Entre Testes Funcionais E Plataforma De Força Nas Medidas De Equilíbrio Em
Atletas. Rev Bras Med Esporte – Vol. 20, No 3 – Mai/Jun, 2014;