Hoje, aconteceu um fato bem legal no meu trabalho e eu
queria compartilhar com vocês.
Geralmente, em um dia comum, costumo atender cerca de 5-7
pacientes por manhã. Se você ainda não sabe, sou fisioterapeuta – com muito
orgulho – especialista em fisioterapia traumato-ortopédica.
Mas hoje não é um dia comum - tanto que estou as 10:27 da manhã
tendo tempo para escrever esse texto -, pois é um dia chuvoso e a maioria dos
pacientes faltam ao atendimento.
Não vou entrar no mérito dos motivos que os levam a faltar ou
não, cada um sabe das suas necessidades.
Mas, vou falar da única paciente que veio a consulta nesse
dia chuvoso – até agora.
Essa, é uma das muitas pacientes que tenho com dor crônica, mas
especificamente, com dor lombar crônica.
Regularmente, tenho o hábito de aplicar a Educação em dor com
Base na Neurociência (EBN) em meus pacientes.
O principal objetivo que tenho com a utilização da EBN, é
fazer com que eles entendam que a dor crônica é multifatorial e vários fatores
podem influenciar tanto na melhora quanto na piora dos sintomas dolorosos.
Mas,
sou muito criterioso com esse processo de educação, não sigo nenhuma “receita
de bolo”, procuro direcionar a forma de aplicação de acordo com as necessidades
de cada paciente. Pois uma série de fatores podem influenciar – positivamente ou
negativamente – na hora de explicar o paciente sobre os mecanismos neurofisiológicos
da dor.
Mesmo usando metáforas, ilustrações e diagramas, muitos pacientes não conseguem
entender a informação que você quer passar. O grau de instrução, a relação
terapeuta-paciente e a motivação do paciente, são fatores que tenho observado que
influenciam nesse processo de aceitação e compreensão da EBN.
A maioria dos
pacientes que atendo tem um baixo nível de instrução, muitos não tem se quer o
ensino fundamental – triste realidade do nosso país.
Ou seja: muito mal conseguem ler, quem dirá entender uma explicação
sobre neurofisiologia da dor.
Portanto, na maioria das vezes, ensiná-los é um grande
desafio que requer: treino, prática, conhecimento, empatia e paciência.
Essa paciente que vos falo, tem um bom entendimento e vem
evoluindo bem com o tratamento, pois é muito participativa e segue muito bem a
maioria das orientações domiciliares.
Em pacientes com dor crônica,
não adianta o profissional de saúde querer ser o “centro das atenções”, o “mago
da terapia manual”, nem o detentor da “cura milagrosa”.
Se você não conseguir fazer o paciente participar ativamente
do processo de reabilitação, mudando os hábitos de vida e seguindo as
orientações domiciliares, você vai ficar “enxugando gelo”.
Terapeuta e paciente tem que “jogar junto”, tem que ser parceria
onde cada um faz a sua parte.
Mas, sem dúvidas, a parte individual do paciente vai ser
sempre mais importante, especialmente na dor crônica.
Na semana passada, em nossa última consulta, a paciente em questão
me fez a seguinte pergunta: “Ainda não entendo muito bem o porquê dessa dor não
passar, já faz tanto tempo e ela não vai embora. Dr., por que eu sinto essa
dor, é por causa da artrose?”
Era a “deixa” que eu precisava.
Eu já havia conversado com ela sobre os fatores que podem
influenciar a dor, como o nível de estresse, noites mal dormidas, humor, experiências passadas, sedentarismo,
entre outras coisas.
Inclusive, no primeiro dia da avaliação a principal queixa
que ela relatou foi “dificuldade para dormir”.
Em virtude disso, inicialmente, decidimos em conjunto – sim, as decisões
terapêuticas devem levar em consideração a opinião e os valores do paciente –
por utilizar técnicas de higienização para o sono.
Em uma semana fazendo algumas pequenas mudanças, a paciente
já relatou uma melhora considerável na qualidade do sono e na percepção subjetiva
da dor ao acordar (EVA pré: 6; EVA pós: 3).
No site www.pesquisaemdor.com.br
existem diversos instrumentos que ajudam o profissional a orientar o paciente
sobre como melhorar em diversos aspectos, inclusive a qualidade do sono.
Nesse mesmo site, eles disponibilizam uma cartilha para os
pacientes como dor. A linguagem da cartilha é simples e de fácil entendimento, explicando
justamente o “porquê” as pessoas sentem dor e quais fatores podem melhorar ou
piorar os sintomas dolorosos.
Eu não tinha entregue a cartilha para essa paciente, ainda,
pois ela é um pouco extensa (12 páginas) e nem todo paciente tem “paciência” e
interesse em ler.
Quando o paciente se mostra disposto, favorável e interessado,
a cartilha se torna uma excelente ferramenta para ajudar no processo da EBN.
Quantas vezes você já leu algo que não estava afim ou que não
lhe interessasse e não absorveu nada do conteúdo? Acredito que várias vezes.
É o mesmo princípio, se você “encher” o paciente de papel e
questionários já no primeiro atendimento, antes de construir uma boa relação
terapeuta-paciente e entender as demandas especificas daquela pessoa, tem
grandes chances dele nem voltar na consulta seguinte.
Então, depois que ela me fez a pergunta, eu imediatamente
imprimi a cartilha e pedi que ela desse uma lida, sem pressa, até a próxima
consulta. Assim, nós iriamos conversar melhor sobre o assunto e eu iria ajudá-la
caso ela ficasse com alguma dúvida.
Hoje ela voltou.
Como eu disse anteriormente, a ÚNICA que veio ao atendimento
em um dia chuvoso (agora já são 11:29h da manhã).
Adentrou ao setor esbaforida, cheia de sacolas na mão – pois
estava vindo do mercado - e disse: “Dr., sei que estou atrasada. Não vou fazer
fisioterapia hoje, mas posso entrar?”.
- Claro! Respondi.
Então ela disse que só tinha vindo para conversas sobre a
cartilha.
Disse que leu tudo e que achou muito interessante.
Além
disso, mostrou para o marido - que também tem uma “dor nas costas que não passa”
-, irmã e para a nora.
Conversou com todos, mostrou tudo que ela estava fazendo
para melhorar sua dor e o que essas pessoas poderiam fazer para melhorar
também.
- Muitas coisas que eu li aqui eu já faço, principalmente os
exercícios. Disse ela.
Disse para irmã que “esse estresse todo que ela tem pode
estar aumentando a dor no joelho”, que ela deveria “relaxar mais e fazer
exercícios”.
Disse para o marido que “ele faz bem em não deixar de fazer
as coisas do dia a dia por causa da dor, porque ficar parado só vai fazer a dor
piorar”.
Orientou a nora a dormir melhor, “pois o sono é fundamental
para o bom funcionamento do corpo” (a nora está grávida!).
Enfim, ela veio só para me agradecer e contar como ela usou
a cartilha.
No final, eu perguntei: “E agora, a senhora já sabe o motivo
dessa dor não passar?”
- Agora eu conheço bem mais o meu corpo e sei que a dor pode
ser resultado de um monte de coisas. Se a pessoa não se ajudar, o senhor não tem
como fazer milagre, né? Ela respondeu.
Pronto, missão cumprida e mais um dia feliz garantido!
Lembre-se: incentivar hábitos de vida saudáveis e ensinar o
autocuidado, são fundamentais para o sucesso do tratamento da pessoa com dor
crônica.
Até o próximo “coisas que alegram meu dia de trabalho”.
Prof. Alexsandro Oliveira